domingo, 28 de fevereiro de 2010

O QUE É NA VERDADE MORRER DE AMOR

*Texto publicado na revista Humorativo em junho de 2009. Um desabafo sobre a inversão de valores que toma conta da mídia brasileira.
Um pouco longo, mas acho que vale a pena...

Não, isso não é um artigo sobre os poetas românticos da primeira metade do século XIX que morriam de amor (ou da falta dele), tuberculose e saudade e sim sobre uma onda de descontrole emocional, exaltação, irreflexão e total irresponsabilidade denominada “crime passional” que virou a sensação dos meios de comunicação em âmbito internacional.
A definição mais clara de crime passional é: Aquele cometido por amor. Amor que mata? Que faz sofrer? Que gera ódio, indignação, inconformidade? Que deixa marcas profundas e cicatrizes eternas? Há no mínimo uma pequena dose de inversão de valores nesse conceito atual.
Diante desse bombardeio de notícias, o que mais chamou a atenção, não só de leitores, escritores e formadores de opinião, mas de toda mídia, foi o caso Eloá Pimentel, da cidade de Santo André, ocorrido no final de outubro de 2008; Caso esse, diga-se de passagem, digno de causar inveja a teledramaturgia ou até mesmo as mais caras produções Hollywoodianas.
Com um enredo simples, composto pela mocinha: uma adolescente bonita, inteligente, cheia de vida e precoce... Muito precoce. Provinda de uma família pobre e completamente desestruturada, informação essa também confirmada posteriormente.
Considerando as relações familiares comuns, da típica família formada por pais e mães que se amam, se completam, se respeitam, a pergunta que mais inflamou na mente dos espectadores deste espetáculo quase épico de sangue e horror foi: Que tipo de pais deixam sua filha envolver-se com um “tipo” apontado desde o início do relacionamento, ou seja três anos atrás, como estranho, possessivo e ciumento.
A resposta foi divulgada da mesma maneira, pela mesma mídia e apontando o óbvio: Um pai fugitivo, acusado de vários crimes, que carrega uma identidade falsa, foragido da polícia há anos e uma mãe, que aceitou tudo isso calada.
A situação ainda contou com a presença de um personagem secundário (segundo algumas opiniões, quase antagonista) tão intrigante como todo o restante do elenco: A melhor amiga! Que assim como o assassino, se deslumbrou com o reality show que se transformou a periferia da cidade do grande ABC. Nayara também tornou-se celebridade, porém seus “cinco minutos” de fama se estenderam um pouco mais: Seqüestro, libertação, volta ao cativeiro para suposta negociação, alvo de uma bala, hospital e um misterioso, curioso ou mangado pedido: Pediu encarecidamente presença do atacante brasileiro que tua no Milan, Alexandre Pato. Talvez um pedido aceitável, vindo de uma menina de 14 anos... A menina desprotegida, que posou para as lentes da imprensa segurando um urso de pelúcia. Mas um pedido sem o menor propósito, se pensarmos no “homem” de confiança, designado pela polícia militar para negociar com o assassino. Atitudes no mínimo estúpidas e incoerentes de ambas as partes.
O ano de 2009, também não escapou ileso dessas notícias, mas nada teve uma repercussão tão estrondosa: Em janeiro, o motoboy paulista assassinou sua ex-namorada dentro de uma academia de ginástica na zona oeste de São Paulo. Um crime quase classificado como uma conseqüência: A vítima já havia registrado inúmeros boletins de ocorrência das ameaças que estava recebendo do ex desde o final do relacionamento e ela já havia sofrido agressões em seu local de trabalho.
O assassino já havia sido preso, respondia processo por roubo, apresentava (olha a coincidência) comportamento violento desde o início do relacionamento. Nesse caso, não deram muita importância a esses indícios: Nem a vítima, nem a família, nem a polícia, nem a imprensa, que cedeu bem pouco espaço (comparado ao caso anterior) a essa notícia.
Em março, um ex- jogador de futebol também matou a ex- namorada acidentalmente com 14 facadas e fugiu com o filho. Caso esse, que dispensa comentários.
Em contrapartida, enquanto folhava revistas antigas procurando mais exemplos de crimes passionais, deparei-me com uma revista, contendo uma nota discretíssima sobre a morte da viúva do compositor Dorival Caymmi.
Stella Maris, como era conhecida, faleceu apenas 11 dias depois do marido: Essa sim, seria uma história de amor digna de ocupar um espaço no horário nobre, ou no mínimo um bloco dos telejornais: Foram 68 anos de amor, trabalho, cumplicidade, convivência e versos que figuraram uma das famílias mais melódicas da história da música brasileira.
Stella e Dorival morreram de amor:
Ela foi internada em abril por problemas cardíacos; Ele lutava bravamente contra um câncer renal.
Ela ligava do hospital todos os dias pra saber como ele estava; Ele, diante da coragem e motivação que ela transmitia ia reagindo.
Ela entrou em coma; Ele mesmo sem ser informado, parou de se alimentar e entrou em depressão.
Ela, já sem forças, continuou na mesma; Ele, em pouco mais de uma semana, morreu de tristeza, de ausência, de saudade.
Ela foi encontrá-lo, onze dias depois.
E nenhum meio de comunicação dedicou mais que meia dúzia de palavras sobre o assunto.
Talvez esse mero exemplo de vida conjugal, essa maneira de “morrer de amor” esteja fora de moda.
E não sejam esses valores que importem realmente à mídia.

HISTÓRIAS DO PADRE SALVADOR

Padre Salvador foi pároco de Sarutaiá por quase dois anos, porém sua residência era em Timburi, uma cidade vizinha que ele também atendia.
Ele é do tipo que visita a casa dos fiéis, efetua as bençãos, faz um lanchinho, tira um cochilo e logo pega amizade.
E assim aconteceu com meu pai e minha mãe. Meu pai tornou-se, por um tempo, assistente dele, vivia atrás do Padre Salvador com um caderninho, anotando as casas que deviam visitar, as visitadas, o povo ligava em casa querendo marcar hora com o padre. Teve até casos do Padre confessar pessoas em casa. Tornaram-se bem amigos.
Nesse contexto, de procurar o Padre para aconselhamento, eis que um dos coroinhas, de aproximadamente 17 anos vai lhe pedir um conselho:
- Padre, minha namorada terminou comigo e eu não sei mais o que eu faço...
E o Padre Salvador responde do alto de sua sabedoria, diretíssimo:
- Sei lá o que você faz, eu nunca namorei!

sábado, 27 de fevereiro de 2010

HISTÓRIAS DE FAMÍLIA

A família da minha mãe sempre foi muito grande. Meus avós tinham vários irmãos, que consequentemente tiveram muitos filhos, o que gerou também muitos netos e bisnetos, continuando a geração.
Minha tia mais velha, é chamada de Dada, casou-se muito jovem, teve três filhos (que já lhe deram netos e bisnetos também), separou-se muito jovem também, aos 29 anos e nunca mais saiu de casa pra nada. Voltou pra casa dos meus avós, eles morreram e ela continua lá sozinha, até hoje. Ela é do gênio difícil, que simplesmente virou as costas para a vida.
Essa minha tia sempre foi de contar histórias, e eu que apesar de ser do tipo falante, sou também uma boa ouvinte: Adorava quando ela ia em casa e contava histórias.
As melhores eram sobre ela e as primas mais velhas que colocavam o papel de seda que envolvia as maçãs argentinas nas gavetas de roupa, para tudo ficar perfumadinho e da tia, que morava na casa em frente a dela, que ia buscar água no quintal da minha avó e atravessava pelo meio da casa com os baldes cheios, molhando tudo.
E entre essas histórias havia a do Chibanti, um cachorro de estimação que comeu todos os docinhos da festa do José Bonifácio, marido de uma de suas primas, Angelina (Lina).
Nós crescemos ouvindo essa passagem e rindo da situação: Um dia, a história do cachorro comilão virou uma música e eu mostro a letra a seguir, uma letra simples, com uma melodia mais simples ainda, mas que retrata a doce e movimentada infância da minha mãe e de seus irmãos, e marca o início do meu livro de memórias.

CHIBANTI
(Luiza Marim/ João Marim/ Pércio Pereira)

Nada é mais como era antes
Que saudade do Chibanti
Me recordo aqueles dias
Só não tem fotografia
O quadrúpede adorado
Que por todos era amado
Não parava um instante
Que saudade do Chibanti
Mas, um dia numa festa
O cãozinho amarelinho
Num minuto de descuido
Comeu todos canudinhos
E fazê-los não foi fácil
Mas a Dada muito atenta
O serviço do Chibanti
Contou ao Zé Bonifácio
Chibanti o cachorro de verdade
Que deixou muitas saudades
Nos lugares que passou
Tristeza
Sinto falta do animal
Quatro patas, um fucinho
Enchia a casa de carinho
Sozinho
Em latidos dialéticos
Só que tinha um problema
Ele era epilético
Seu nome
Se escreve com CH
Nome belo e elegante

Que saudade do Chibanti...
Que saudade do Chibanti...

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Não gosto de você

(Texto de 19/11/2009)

Algumas pessoas sabem como ninguém como fazer mal a alguém.
E mesmo que você queira, se esforce, não consegue ser forte, não se abalar. Tenta ser forte: Veste sua melhor roupa, alisa o cabelo apesar do calor, até arrisca uma maquiagem.
Mas não consegue, não se sente a vontade, não consegue disfarçar seu desconforto e descontentamento.
E só pra você saber: Não gosto de você!
Todas as situações que nos envolvem e nos confrontam à parte, mas não consigo gostar de você (não me esforço pra isso também). E tenho argumentos.
Não gosto de você por insistir em usar marrom, por tentar sobrepor roupas e misturar cores claras, como o bege, que é derivado do infeliz do marrom com cores fortes e estampas. Um conselho: Não use marrom!
Não gosto de você por que seus olhos não combinam com sua testa, sua boca não combina com seu nariz, é tudo muito desproporcional, ficariam melhores se fossem separados, em umas cinco pessoas, mas não, juntaram tudo isso em você.
Não gosto de você por chamar, ou pelo menos tentar chamar atenção nos lugares , tudo bem, você é grande, mas não é duas, não é um carro alegórico e nem um outdoor. Então não tente ser o que não é, você não é simpática, não é carismática, nem todos ao seu redor te admiram, te querem presente nos mais variados momentos, gostam de você (ah, pra lembrar: Não gosto de você).
Acho que tentar ser amigas das crianças, forçadamente, também não é melhor maneira de ser aceita. Isso não funciona em território inimigo. Exagerei. Não sou sua inimiga, nem sua amiga, aliás não quero ser nada sua. Gostaria que você morasse no Pólo Norte e eu no Pólo Sul, não porque você me incomode por existir, mas pelo menos seria um pouco mais difícil pra você freqüentar os lugares que estou, principalmente festas em minha casa.
Você sim, tinha aliada, que tem um personagem para cada situação, e essa sim, me incomoda três vezes ou mais que você. Dela sim, pode ter certeza que consigo gostar menos.
Também não gosto da sua aliada.
Não se pode ferir alguém quando se é tão transparente quanto seus motivos.
Ser legal não é simplesmente achar que é legal. Quando se é legal não é preciso auto-afirmação. Mendigar amizade não é legal.
Não gosto de você por achar que seus defeitos não são percebíveis por todos: Alguém enxerido, arrogante e prepotente pode ser notado há quilômetros.
Pior do que ser e se achar, é não ser, e se achar.
E também tenho raiva de mim, por ter gostado e acreditado em você um dia.
Enfim, não gosto de você. E espero o mesmo de você. Esqueça esse texto também, afinal, quem escreve para alguém do qual não gosta?

Por toda minha vida Cazuza

(Texto de 20/11/09)

Por toda minha vida - Cazuza

Poucas coisas ainda me emocionam na globo, algumas até me decepcionam como Big Brother Brasil e a ressurreição de No Limite, mas dessa vez, o especial “Por toda minha vida” arrancou lágrimas tímidas dos meus olhos.
Pode parecer estranho, mas quando vejo coisas sobre Cazuza me sinto tão parecida com ele. Cazuza era único, estranho, rebelde, sem limites, sem paz. Cazuza era ousado e eu adoro essa palavra. Até hoje conversei com um amigo, publicitário, que atua na área (finalmente um) que os clientes ainda hesitam em optar por campanhas e criações ousadas. Isso em 2009. Nem de longe quero me comparar a ele, não é essa a semelhança.
Mas Cazuza gostava de ficar sozinho, tinha bombardeios de idéias e frases, compunha em bares, na praia, em seu quarto, enquanto dirigia. Não tinha hora e nem lugar para uma boa idéia. E ele soube aguardar o momento certo de por sua criatividade e sua arte à tona. Não sou ousada, sou uma pessoa até comum, e não cabe em mim um espírito de rebeldia no século XXI, num país onde há democracia (pelo menos na teoria), governado por um sindicalista, a princípio de esquerda; Num tempo onde um negro é presidente da maior potência econômica, onde as pessoas voltaram embora do Japão por falta de emprego, devido a crise. O mundo em que a África do Sul, é a sede da próxima copa do mundo. E dessa vez, nem vou falar do Brasil, da Copa e das Olimpíadas de 2016. Não é esse o propósito.
Eu não tenho toda aquela disposição e garra pra perseguir um ideal. Poucas pessoas ainda acreditam em ideais, mas eu ainda me orgulho de fazer parte desse seletivo grupo. Mas enfim, algo muito forte me atraí em Cazuza. Ele era um poeta, um gênio, de carreira marcante e meteórica. Um ser humano que traduzia em linhas e melodias as dores do mundo, do amor, da entrega, ingratidão, remorso, ausência, saudade, solidão... Cazuza passou pela vida, não da maneira mais correta, foi louco e inconseqüente, e essas conseqüências foram suas, pelo menos, era assim que ele achava que deveria ser: Achava que somente ele pagaria por seus erros.
Mas, diante de depoimentos emocionados de amigos como Pedro Bial, Ezequiel Neves, Ney Matogrosso e Bebel Gilberto não foi isso que notou-se e sim um vácuo, uma dor adormecida que desperta com cada pequena lembrança: A de um riso despojado, de palavras debochadas e dos olhos ao mesmo tempo acolhedores e solitários: Olhos confortantes e clementes de ajuda.
Não acredito que exista uma pessoa que não conheça uma música sua, um refrão. Que não tenha pronunciado o célebre “Brasil, mostra tua cara”, seja na época das Diretas, no impeachment do Presidente Collor ou no escândalo do mensalão. Um apaixonado que nunca tenha escrito pra sua amada “Amor da minha vida, daqui até a eternidade”, que não tenha ouvido “Codinome Beija-Flor” após o fim de um namoro, ou usado algo do tipo “Hoje eu acordei com sono e sem vontade de acordar” no Nick do MSN, numa segunda-feira preguiçosa.
Cazuza é parte do Cotidiano de uma geração. Cazuza faz parte da minha vida. Cazuza era livre, polêmico e boêmio. Cazuza gostava de Cartola, e acreditava que “o mundo era um moinho”, ele escolheu o rock, mas não teve vergonha de mudar, de partir para Bossa Nova, não teve vergonha de escrever o que pensava, de mostrar para o mundo o que sentia.
E eu não tenho vergonha ou qualquer outro tipo de receio de dizer com todas as letras que sou fã do menino carioca, nascido e criado em Ipanema, o menino de cabelos encaracolados e rebeldes, o típico “Exagerado”.

E pra selar, uma das minhas preferidas:

"Quando eu estiver cantando,
Não se aproxime.
Quando eu estiver cantando,
Fique em silêncio.
Quando eu estiver cantando,
Não cante comigo.
Porque eu só canto só
E o meu canto é minha solidão.
É a minha salvação.
Porque o meu canto redime o meu lado mau
Porque o meu canto é pra quem me ama
Me ama, me ama".