*Texto publicado na revista Humorativo em junho de 2009. Um desabafo sobre a inversão de valores que toma conta da mídia brasileira.
Um pouco longo, mas acho que vale a pena...
Não, isso não é um artigo sobre os poetas românticos da primeira metade do século XIX que morriam de amor (ou da falta dele), tuberculose e saudade e sim sobre uma onda de descontrole emocional, exaltação, irreflexão e total irresponsabilidade denominada “crime passional” que virou a sensação dos meios de comunicação em âmbito internacional.
A definição mais clara de crime passional é: Aquele cometido por amor. Amor que mata? Que faz sofrer? Que gera ódio, indignação, inconformidade? Que deixa marcas profundas e cicatrizes eternas? Há no mínimo uma pequena dose de inversão de valores nesse conceito atual.
Diante desse bombardeio de notícias, o que mais chamou a atenção, não só de leitores, escritores e formadores de opinião, mas de toda mídia, foi o caso Eloá Pimentel, da cidade de Santo André, ocorrido no final de outubro de 2008; Caso esse, diga-se de passagem, digno de causar inveja a teledramaturgia ou até mesmo as mais caras produções Hollywoodianas.
Com um enredo simples, composto pela mocinha: uma adolescente bonita, inteligente, cheia de vida e precoce... Muito precoce. Provinda de uma família pobre e completamente desestruturada, informação essa também confirmada posteriormente.
Considerando as relações familiares comuns, da típica família formada por pais e mães que se amam, se completam, se respeitam, a pergunta que mais inflamou na mente dos espectadores deste espetáculo quase épico de sangue e horror foi: Que tipo de pais deixam sua filha envolver-se com um “tipo” apontado desde o início do relacionamento, ou seja três anos atrás, como estranho, possessivo e ciumento.
A resposta foi divulgada da mesma maneira, pela mesma mídia e apontando o óbvio: Um pai fugitivo, acusado de vários crimes, que carrega uma identidade falsa, foragido da polícia há anos e uma mãe, que aceitou tudo isso calada.
A situação ainda contou com a presença de um personagem secundário (segundo algumas opiniões, quase antagonista) tão intrigante como todo o restante do elenco: A melhor amiga! Que assim como o assassino, se deslumbrou com o reality show que se transformou a periferia da cidade do grande ABC. Nayara também tornou-se celebridade, porém seus “cinco minutos” de fama se estenderam um pouco mais: Seqüestro, libertação, volta ao cativeiro para suposta negociação, alvo de uma bala, hospital e um misterioso, curioso ou mangado pedido: Pediu encarecidamente presença do atacante brasileiro que tua no Milan, Alexandre Pato. Talvez um pedido aceitável, vindo de uma menina de 14 anos... A menina desprotegida, que posou para as lentes da imprensa segurando um urso de pelúcia. Mas um pedido sem o menor propósito, se pensarmos no “homem” de confiança, designado pela polícia militar para negociar com o assassino. Atitudes no mínimo estúpidas e incoerentes de ambas as partes.
O ano de 2009, também não escapou ileso dessas notícias, mas nada teve uma repercussão tão estrondosa: Em janeiro, o motoboy paulista assassinou sua ex-namorada dentro de uma academia de ginástica na zona oeste de São Paulo. Um crime quase classificado como uma conseqüência: A vítima já havia registrado inúmeros boletins de ocorrência das ameaças que estava recebendo do ex desde o final do relacionamento e ela já havia sofrido agressões em seu local de trabalho.
O assassino já havia sido preso, respondia processo por roubo, apresentava (olha a coincidência) comportamento violento desde o início do relacionamento. Nesse caso, não deram muita importância a esses indícios: Nem a vítima, nem a família, nem a polícia, nem a imprensa, que cedeu bem pouco espaço (comparado ao caso anterior) a essa notícia.
Em março, um ex- jogador de futebol também matou a ex- namorada acidentalmente com 14 facadas e fugiu com o filho. Caso esse, que dispensa comentários.
Em contrapartida, enquanto folhava revistas antigas procurando mais exemplos de crimes passionais, deparei-me com uma revista, contendo uma nota discretíssima sobre a morte da viúva do compositor Dorival Caymmi.
Stella Maris, como era conhecida, faleceu apenas 11 dias depois do marido: Essa sim, seria uma história de amor digna de ocupar um espaço no horário nobre, ou no mínimo um bloco dos telejornais: Foram 68 anos de amor, trabalho, cumplicidade, convivência e versos que figuraram uma das famílias mais melódicas da história da música brasileira.
Stella e Dorival morreram de amor:
Ela foi internada em abril por problemas cardíacos; Ele lutava bravamente contra um câncer renal.
Ela ligava do hospital todos os dias pra saber como ele estava; Ele, diante da coragem e motivação que ela transmitia ia reagindo.
Ela entrou em coma; Ele mesmo sem ser informado, parou de se alimentar e entrou em depressão.
Ela, já sem forças, continuou na mesma; Ele, em pouco mais de uma semana, morreu de tristeza, de ausência, de saudade.
Ela foi encontrá-lo, onze dias depois.
E nenhum meio de comunicação dedicou mais que meia dúzia de palavras sobre o assunto.
Talvez esse mero exemplo de vida conjugal, essa maneira de “morrer de amor” esteja fora de moda.
E não sejam esses valores que importem realmente à mídia.
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